quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Apego ao passado - História do Mário


Tenho pavor de me casar e depois ser traído.
Talvez por isso, já quase com 50 anos, faço a minha vidinha com a minha mãe,
que ainda é quem me compreende e trata de mim.
O pior é que ela está já muito velhota, e o meu medo é vê-la partir.
Acho que não ia aguentar.

~ . ~ 

Pois é Mário, muitas vezes por medo do futuro, apegamo-nos ao passado, pensando que nele está intrínseca toda a nossa segurança. Há coisas que gostamos de contrariar, mas que por mais voltas que se dê não conseguem ser contrariadas.
Na verdade vivemos entre um passado e um futuro, quando o único tempo que realmente existe é o momento presente.
Ficarmos presos ao passado é uma forma muito pouco sábia de usufruir a vida, pois inevitavelmente deixamos de a viver em toda a sua graça e plenitude.
Cobardemente culpamos todas as pessoas que sentimos nos magoaram, todas as experiências difíceis, todas as situações em que perdendo o controlo nos descontrolamos por completo, e fazemos disso o nosso trofeu para nos mantermos vitimas de um passado, somente por medo de assumirmos a responsabilidade sobre a nossa vida e as nossas escolhas.

Mantendo a nossa atenção no passado e a nossa cabeça no futuro, jamais poderemos viver a terna e eterna magia deste eterno presente. 

A infelicidade do Apego ~ História da Lurdes

Para mim um casamento tem de ser como foi o dos meus pais, para a Vida toda. Por isso não me separo, apesar de ser muito infeliz. Ainda assim, prefiro isto à vergonha de estar divorciada.
Acha que faço mal?

~ * ~

Querida Lurdes, talvez essa seja uma questão que deverá colocar antes de mais, a si própria.
Sabe, a vida é um constante caminho de descoberta e de desapego.
É preciso saber deixar ir. Deixar ir, não é necessariamente esquecer, mas sim desapegar-se do que sabemos já não ser para nós.
É fácil falar, eu sei.
Principalmente quando aprendemos a nada possuir.
Quando percebemos, nesta fobia de pertença, que ninguém pertence a ninguém, e que todos somos apenas ‘passageira-pertença’ da vida.
Mas…tudo é um longo e por vezes penoso caminho.
Como poderemos nós, habitantes desta planeta, onde nos ensinaram a ter e não a Ser, como poderemos nós, acreditar que a segurança não está no que possuímos, mas sim no que somos?
Como poderemos nós materialmente formatos, deixar de lado a enganadora forma, passando a investir apenas na verdade dos seus conteúdos?
Porque temos nós de passar por tantos desafios? Por tantas perdas?
Porque temos nós a aprender este árduo e iniciático caminho do desapego?
Simples.
Porque a vida é cíclica, impermanente e estupidamente inteligente.
Nunca se engana, e cada vez que queremos enganá-la, ela corta-nos as pernas, aparentemente sem dó nem piedade, para nos mostrar o que ainda temos de ajustar, o


que ainda não é verdade em nós, o que ainda está desfasado de quem somos na realidade. 
Depois, tudo isto é um fluxo. Um imenso e contínuo fluxo.
O que acontece com a água do rio que vem cheia de força, cheia de movimento de vida e encontra uma represa?
Pois é exatamente o mesmo que acontece connosco, quando prendemos algo.
Tal como tudo na vida, também o Desapego é uma contínua aprendizagem.
E, como todas as aprendizagens requer que se aceite passar pelas experiências. Isto pode parecer estranho, mas a verdade é que muitos de nós nos apegamos a falsas
ilusões de segurança, recusando a todo o custo  passar por certas vivências com medo de largar o que temos muitas vezes de largar para as poder viver em pleno.
Tudo aquilo que prendemos está condenado à morte.
Não porque a vida nos quer castigar, por não termos correspondido áquilo que cedo nos ensinam que deveríamos ser, mas sim, porque nada na natureza se possuir entre si, dentro de si, ou fora de si.
Ao aceitarmos o fluxo natural da vida, naturalmente nos vamos desapegando sem qualquer esforço e usufruindo da Vida na sua máxima plenitude.  
E, um dos nossos grandes apegos são as crenças que carregamos em relação, áquilo que consideramos ser uma relação ideal, um emprego ideal, um filho ideal, no fundo um ideal, que só existe nas nossas cabeças.
Colados á nossa expectativa lá vamos nós, sempre seguindo não aquele que é o caminho a que a nossa alma nos convida, mas sim, o outro que nos ilude de segurança por pensarmos que nos leva a um porto seguro onde possuindo algo, seremos indubitavelmente felizes.   
Depois depressa percebemos que um hiato se abre em nós – aquilo que descrevemos como uma espécie de vazio – onde a resposta da Vida às nossas crenças e expectativas se mostra contrária, e nasce daí uma enorme frustração ao experienciamos que as “coisas” não acontecem como tínhamos programado acontecerem.
Repetimos este programa, como se estivéssemos numa linha de montagem, onde mecanizados nem nos apercebemos que muito do que queremos para nós, já nada tem a ver connosco. No entanto, permanecemos apegados, insistindo, insistindo, enredados por uma preguiça existencial e por um medo terrível de sair das zonas de conforto, mesmo quando elas são estupidamente desconfortáveis.
Ousarmos perceber o que é nosso verdadeiramente, é essencial.
Saber deixar ir o que não é, mesmo que algum dia nos tenha parecido ser, é vital no nosso processo de transformação. 

Ao deixarmos ir, desapegamo-nos e um novo espaço surge internamente, expandindo-se para o nosso exterior, atraindo assim novas pessoas, novas experiências, que nos
levarão cada vez mais para a verdade de quem somos, para que assim possamos cumprir o nosso propósito neste planeta em que escolhemos incarnar.
Valerá a pena, Lurdes, teimarmos na posse e no apego, quando tudo ao nosso redor nos monitoriza para um fluxo livre de vida, impermanente e desapegado?       
Pense nisto.


~ * ~